Ola! Hoje eu pretendo iniciar a discussão de um resultado de V. Kaloshin e I. Rodinianski sobre a genericidade de elementos Diofantinos dos grupos e
. A motivação basica consiste em estender para o contexto não-comutativo o seguinte teorema bem-conhecido sobre a ma-aproximação de numeros reais ”tipicos”:
Teorema 0. Quase todo numero real
(no sentido da medida de Lebesgue) é Diofantino: existem constantes
tais que
para quaisquer
inteiros.
Observação 0. Um argumento topologico simples (baseado no teorema de Baire), mostra que o conjunto de numeros Liouville (i.e., os numeros não-Diofan- tinos) é residual. A prova deste fato é deixado como exercicio. (Sugestão: Utilize a negação da condição Diofantina para escrever os numeros Liouville como a uniao enumeravel de abertos densos).
Certamente o leitor ja deve ter encontrado varios contextos onde as propriedades Diofantinas dos numeros reais são fundamentais: por exemplo, em Sistemas Dinâmicos, sabemos que as propriedades Diofantinas dos numeros de rotação de difeomorfismos do circulo e dos autovalores da derivada em pontos periodicos de transformações holomorfas estão profundamente ligadas as questões de linearização e conjugação de tais sistemas (veja estes dois trabalhos de Yoccoz, por exemplo), enquanto que na teoria KAM é bem-co- nhecida a persistencia das dinâmicas correspondentes a toros invariantes suportando rotações de ângulos verificando condições Diofantionas (veja esta exposição de Yoccoz sobre os trabalhos de Herman, por exemplo).
Visando generalizar o teorema 0 para o contexto de grupos não-comutativos, uma formulação natural da propriedade Diofantina nos grupos e
é a seguinte:
Definição 1. Dizemos que (ou
) são Diofantinos sempre que existir uma constante
tal que toda palavra
de tamanho
sobre as letras
verifica
(1) .
Aqui é a identidade.
Observação 1. Tendo em vista palavras como (e outras similares), segue que uma condição necessaria para que os elementos
sejam Diofantinos é que o subgrupo gerado por
seja livre.
Observação 2. Um argumento simples baseado no principio da casa de pombos e na compacidade de mostra que a condição Diofantina acima é op- timal: como a quantidade de palavras de tamanho
cresce exponencial- mente com
, as versões super-exponencial ou polinomial da estimativa (1) são fraca ou forte demais para descrever o comportamento tipico dos elementos de
. Com efeito, o leitor é convidado a verificar que, dados
gerando um subgrupo livre de
e
inteiro, sempre existe uma palavra
de tamanho
sobre as letras
tal que
.
Observação 3. Analogamente ao caso dos numeros reais (vide observação 0), um argumento elementar mostra que para um conjunto residual de pares a condição Diofantina não é satisfeita.
Observação 4. Nas nossas futuras considerações, os papéis de e
são moralmente idênticos porque
é o recobrimento (duplo e universal) de
.
Com esta noção de elementos Diofantinos de e
, o analogo do teorema 0 é:
Conjectura (Gamburd, Jakobson e Sarnak). Quase todos os elementos ou
(no sentido da medida de Haar) são Diofantinos.
No presente momento, esta conjectura encontra-se em aberto (até onde o autor sabe). A relevância da conjectura de Gamburd, Jakobson e Sarnak é expressada na sua aplicação na solução do problema de Ruziewicz.
O problema de Ruziewicz consiste em mostrar que toda probabilidade finitamente aditiva da esfera a qual é invariante pelo grupo de rotações
é a medida de Lebesgue. Na linguagem da teoria ergodica, este problema corresponde a saber se a ação de
em
é unicamente ergodica (com relação ao espaço de probabilidades finitamente aditivas). Note que quando a medida é
-aditiva, este resultado foi provado por Lebesgue. Entretanto, S. Banach provou que este problema tem solução negativa em dimensão
(de fato, J. Rosenblatt melhorou o resultado de Banach provando que existe todo um continuo de probabilidades finitamente aditivas invariantes por rotações do circulo). Por outro lado, G. Margulis e D. Sullivan (independentemente) mostraram que a solução do problema de Ruziewicz é afirmativa quando
usando a chamada propriedade T de Kazhdan. Finalmente, V. Drinfeld resolveu os casos restantes (
) dando uma solução afirmativa ao problema.
Conforme os resultados de J. Rosenblatt, o problema de Ruziewicz pode ser reduzido a questão de achar subgrupos livres de
com a propriedade de lacuna espectral: existe uma constante
tal que para toda função
com média nula podemos encontrar um elemento
com
.
Observação 5. A informação relevante aqui é a condição de lacuna espectral: com efeito, desde os trabalhos de Hausdorff (em 1914) sobre o paradoxo de Banach-Hausdorff-Tarski, sabemos da existência de subgrupos livres com dois geradores. De fato, trabalhando-se um pouco, podemos mostrar que o conjunto de pares de matrizes os quais não geram um subgrupo livre é uma união enumeravel de conjuntos analiticos de codimensão 1 (isto sera visto mais tarde). Portanto, temos uma abundância de subgrupos livres com dois geradores, de maneira que basta achar um subgrupo livre com lacuna espectral dentro deste ”mar” de subgrupos livres para resolver o problema de Ruziewicz.
Observação 6. Generalizando a observação 5, lembramos que Auerbach mostrou que grupos de Lie compactos e simplesmente conexos possuem muitos subgrupos livres: quase todo par de elementos
(com respeito a medida de Haar) gera um subgrupo livre cujo fecho é
.
Uma construção explicita de um subgrupo livre de com lacuna espectral foi feita por Lubotzky, Phillips e Sarnak (via operadores de Hecke), o que fornece uma prova alternativa do problema de Ruziewicz (como comentamos pouco antes da observação 5) no delicado caso
(veja também esta nota de Hee Oh). Entretanto, esta construção deixa aberta a pergunta natural de entender a frequência de ocorrência de subgrupos livres de
e/ou
com lacuna espectral.
Neste sentido, Bourgain e Gamburd recentemente ( 2008 ) mostraram que todos os subgrupos livres de gerados por elementos Diofantinos possuem lacuna espectral! Logo, usando a observação de Rosenblatt, os elementos Diofantinos de
podem ser usados para dar uma solução alternativa (mais simples) do problema de Ruziewicz em dimensão 2 (em vista da elaborada solução dada por Drinfeld).
Dito isto, vemos uma clara relação entre a conjectura de Gamburd, Jakobson e Sarnak acima e o problema de Ruziewicz em dimensão 2.
Por outro lado, ja dissemos que esta conjectura encontra-se aberta. Entretanto, temos um (unico) resultado parcial na direção da conjectura:
Teorema 1 (Kaloshin e Rodinianski). Quase todos os elementos
de
(ou
) são fracamente Diofantinos: existe uma constante
tal que toda palavra
de tamanho
sobre as letras
(2)
.
Nosso objetivo sera descrever os principais passos da prova desse teorema. Para efeitos de clareza da exposição, usaremos a observação 4 para nos restringirmos ao caso do grupo . Mais ainda, sendo o tratamento do caso de
elementos
identico ao caso de dois elementos (exceto talvez pela necessidade de uma notação mais complicada), consideraremos apenas a demonstração do teorema de Kaloshin e Rodnianski para dois elementos
tipicos.
Para este post, iremos somente traçar a estrategia a ser seguida, deixando os detalhes para um proximo post. Dados dois elementos distintos , denotamos por
e
os ângulos de rotação de
e
(resp.), e por
o ângulo entre os eixos de rotação
e
de
e
(resp.). Para nossas considerações posteriores, podemos fazer (sem perda de generalidade) a seguinte normalização: o eixo de rotação
de
é o eixo
em
e o eixo de rotação
de
esta contido no plano
fazendo ângulo
com
no sentido horario. Observe que com esta convenção, toda palavra
de tamanho
é unicamente determinada pela escolha deste sistema de coordenadas e pelos parâmetros
Isto permite escrever e considerar o toro tridimensional
como espaço de parâmetros o qual vem equipado com a medida de Lebesgue
. Do modo como nossos parâmetros são definidos, o leitor pode verificar que conjuntos de medida total para a medida de Haar produto
em
correspondem a conjuntos de medida total para
em
.
Neste ponto, a idéia da prova é bastante similar a demonstração de Fayad e Krikorian do teorema de hiperbolicidade de palavras desbalanceadas em ja discutida nestes dois posts anteriores no blog em ingles (cronologicamente falando, a prova de Fayad e Krikorian ( 2008 ) é inspirada na prova de Kaloshin e Rodnianski (2001)). Grosseiramente falando, o ponto é o seguinte argumento do tipo Borel-Cantelli: fixamos uma palavra
de tamanho
em
e consideramos os parâmetros
tais que
esta a uma distância
da identidade
. Denotando por
a medida de Lebesgue
destes parâmetros (variando sobre todas as palavras de tamanho
) para um certo
fixo, o lema de Borel-Cantelli diz que nossa tarefa fica reduzida a mostrar a estimativa:
(3) .
Para provar a estimativa (3), o fato fundamental é que a representação quaterniônica (de Hamilton) dos elementos de permite escrever a distância entre
e
como um polinômio trigonométrico
de grau
em
e todos os coeficientes inteiros. Fixamos
,
e olhamos para o conjunto de parâmetros
tais que
.
Por um lema elementar de Dani, Kleinbock e Margulis sobre a medida de Lebesgue do conjunto de pontos onde um dado polinômio assume valores pequenos, sabemos que
.
Como temos palavras
de tamanho
sobre as letras
(no maximo), segue que
.
Isto mostra a estimativa (3) desejada (fazendo ), o que completaria a prova do teorema 1.
Com isto encerramos as considerações (introdutorias) deste post. No proximo encontro, iremos detalhar um pouco mais a estrategia delineada acima. O leitor desejoso de uma ”preparação” para os argumentos de Kaloshin e Rodnianski num contexto um pouco mais simples (do grupo ) é incentivado a consultar as duas notas do blog em ingles sobre o teorema de Fayad e Krikorian. Fico por aqui! Ate ja!